Muitas vezes nós a procuramos junto às pessoas cultas, junto aos monges ou aos estudiosos das ciências. É surpreendente, todavia, como às vezes ela aparece em um local inesperado e nas palavras de uma pessoa de extrema simplicidade.
Na semana passada ouvi uma expresão que, se bem analisada, indica onde está grande parte do mal que aflige a sociedade atual.
Eu estava em um restaurante de beira de estrada quando ouvi o garçom, um senhor de uns sessenta e poucos anos, conversando com um grupo de clientes sobre a cidade do interior em que morava. Quando ele veio nos atender eu puxei conversa sobre aquele assunto e ele acabou por dizer que nascera "na roça", em um local bem próximo ao restaurante em que hoje trabalhava. Saudosamente ele começou a contar sobre as alegrias do tempo de infância.
Quando eu mencionei que, naquela época, nós não tínhamos muitas coisas, mas éramos bastante felizes, ouvi a expressão que mostrou a sabedoria daquele homem simples. Disse ele: "é porque nós não tínhamos ilusão".
Acho que ele não percebeu a profundidade do que disse, mas suas palavras são repletas de sabedoria.
Os muito jovens talvez não entendam o que eu vou dizer, porque cresceram em um ambiente diferente. Eu me lembro, todavia, de como era minha infância (e a de quase todas as crianças de minha época).
Não existia computador, notebook, netbook e internet. Telefone só com fio e em uma ou duas casas da rua. Para conseguirmos a instalação de um telefone em casa tínhamos que entrar em um "plano de expansão" e pagarmos o valor do telefone por uns dois ou três anos, dependendo da disponibilidade financeira. Depois disso ainda tínhamos que aguardar um bom tempo até a companhia telefônica resolver passar os cabos por nossa rua. Fica fácil imaginar, portanto, que telefone celular era coisa de ficção científica. Forno de microondas, lavadora de louças e secadora de roupas, nem pensar. Máquina de lavar roupas havia na casa de algumas pessoas mais afortunadas. Automóvel existia em apenas algumas casas e quando existia era um para a família toda.
Traçado esse panorama, fica fácil entender o que disse aquele homem humilde: "nós não tínhamos ilusão". Ilusão de que? Não pensávamos em consumir praticamente nada. Vivíamos um dia de cada vez. Brincámos na rua, chegávamos em casa, tomávamos um banho e, às vezes, assístíamos TV, que saía do ar às dez ou onze horas da noite, que era a hora de todos estarmos dormindo. Ninguém pensava em ganhar um telefone celular, um computador, um notebook ou navegar nas redes sociais.
Alguns podem estar dizendo: "nossa, como a vida era chata". Mas quem disse isso se enganou. Apesar de termos muito mais conforto e facilidade de aquisição de aparelhos elétricos, eletrônicos, veículos, etc., vivemos em agonia constante, sempre preocupados "com a próxima ilusão". É verdade. Assim que acabamos de adquirir alguma coisa que desejamos muito, passamos a nos concentrar na próxima aquisição, porque aquela já é fruto do passado e não mais satisfaz "nossas necessidades". O que se vê, portanto, é que nos dias de hoje passamos a vida "correndo atrás de objetos que nos trarão a felicidade", que nunca é alcançada. É mais ou menos como a fábula do homem que amarrou uma vara com uma cenoura na frente da cabeça de seu cavalo. O cavalo não pára de andar porque quer alcançar a cenoura, mas ela nunca será alcançada.
O relato acima nos mostra porque somos tão ansiosos no dia de hoje. Mostra-nos, também, que a solução de grande parte de nossos "problemas" atuais esteja no fato de nos livrarmos de parte de nossas ilusões.
Reflita a respeito.
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